domingo, 19 de junho de 2011

APRENDENDO COM JOANNA DE ÂNGELIS - 2

Aprendendo com Joanna de Ângelis - 2

Nesta segunda parte do texto, veremos a continuidade da bela e profunda reflexão “Aprendendo com Joanna de Ângelis”, que, agora, enfoca a existência da Benfeitora vivida como Sóror Juana Inés de la Cruz e nos apresenta lições para serem aplicadas a partir dessa vida nobre e singular.

Boa leitura!

Aprendendo com Joanna de Ângelis
Parte 2
Renato Costa

Sóror Juana Inés de la Cruz

Juana Ramírez de Asbaje nasceu em 12 de novembro de 1648 ou de 1651 (vide Nota) na pequena cidade de San Miguel Nepantla, a pouca distância da cidade do México, filha natural de Isabel Ramírez de Santillana e do Capitão Pedro Manuel de Asbaje. Tendo ele abandonado a mãe de Juana quando esta era ainda muito pequena, Juana acabou sendo criada pelo avô materno, Pedro Ramírez, homem culto e educado, em uma fazenda deste, em Pandoyán.

Foi precoce em seus estudos, tendo produzido seus primeiros versos aos 5 anos. Aos 12, morando com sua tia materna na Capital, aprendeu latim em 20 lições e português por conta própria. Quando tinha 14 anos, aceitou convite do Vice-rei, Antonio Sebastián de Toledo, Marquês de Mancera e foi ser dama de companhia de sua esposa, Leonor, na corte dos Vice-reis do México. Contam suas biografias que, como o talento de Juana vinha provocando comentários invejosos na corte, o Vice-rei fez, uma vez, com que ela fosse argüida em público por uma banca de 40 homens sábios, tendo ela, respondido com êxito a todas as perguntas. Ela tinha 17 anos nessa ocasião.

Vivendo na Corte, admirada por uns e perseguida por outros em função de sua beleza e saber, Juana foi aconselhada por seu confessor a ingressar em um Convento, o que faz em 1667 entrando para o Convento de São José, da Ordem das Carmelitas Descalças. A rigidez ascética, no entanto, fê-la adoecer em poucos meses.Transferiu-se, então, para a Ordem de São Jerônimo da Conceição, onde pode dispor do tempo que precisava para se dedicar às letras e às ciências.

Foi em São Jerônimo que adotou o nome religioso de Sóror Juana Inés de la Cruz. Bem instalada, cercada por livros e instrumentos diversos que utilizava em seus estudos, Juana escreveu poemas, ensaios, dramas e peças de teatro religiosas, além de compor canções natalinas e outras músicas sacras. Era visitada em sua cela no Convento por diversos intelectuais da América Espanhola e pelos que vinham da Espanha, encantados todos com sua beleza e seu profundo saber em todas as áreas do conhecimento. Com seus escritos e seu modo de ser, Juana representou um marco importante para a cultura da América Espanhola então dominada exclusivamente pelos homens, tendo recebido de seus contemporâneos os pseudônimos de “A Décima Musa” e “Fênix da América” e sendo reconhecida hoje em dia como a primeira feminista das Américas.

Em pleno auge de sua carreira literária, Juana recebeu do Bispo de Puebla, Dom Manuel Fernández de Santa Cruz, a incumbência de comentar, por escrito, o Segundo Sermão do Mandato, que o valoroso e erudito Padre Jesuíta Antonio Vieira, português com longa estada no Brasil, havia pregado na Capela Real da Corte Portuguesa em 1655, cerca de 40 anos antes. Dom Manuel, após receber os comentários de Juana, onde ela brilhantemente demonstrava erros teológicos do Padre Vieira, fê-los publicar com o nome de Carta Atenagórica, não sem antes tê-los precedido por um prefácio seu, em que assinava como Sóror Filotea de la Cruz. Nesse prefácio, Dom Manuel, ao tempo em que elogiava o trabalho crítico de Juana, lhe censurava de forma sutil a abrangência dos estudos, orientando-a a que se dedicasse somente às questões religiosas.

Àquela época, somente aos membros mais altos do Clero, todos homens, como hoje, era dado o direito de dissertar sobre questões teológicas. Desse modo, a publicação da Carta Atenagórica por certo provocou grande escândalo na comunidade religiosa.
Juana respondeu ao Bispo através de uma longa mensagem autobiográfica, onde defendeu, de forma eloqüente e brilhante, a necessidade de se estudar todos os ramos do conhecimento para melhor entender Deus e a criação, argumentando ainda ser essa uma necessidade não só dos homens mas igualmente das mulheres.

Pouco tempo depois da magistral resposta, no entanto, Sóror Juana colocou à venda os quatro mil volumes de sua biblioteca e seus inúmeros instrumentos científicos e musicais, dando uma imensa quinada em sua vida.

A razão de decisão tão radical permanece obscura. Após consultar diversas fontes que falam da vida de Sóror Juana, fica a dúvida entre duas hipóteses. Terá a resposta à “Sóror Filotea” sido um desabafo final da erudita religiosa, autora e cientista após ter resistido por longo tempo às investidas contrárias de censores invejosos ou terá sido ela o próprio estopim que terá feito explodir uma avalanche de críticas e pressões que ela não pode enfrentar dada a origem de onde vinham? Talvez nunca se saiba ao certo, no entanto, tenha sido qual tenha sido o motivo, o fato é que a surpreendente quinada se deu e o foco de nossa querida Joanna naquela memorável vida se voltou para a caridade.

Após vender seus pertences, Sóror Juana aplicou o produto obtido para fins caritativos, fazendo doações aos pobres e famintos. Quatro anos mais tarde, em 1695, quando uma epidemia de peste assolava a região, envolveu-se de corpo e alma no auxílio aos doentes. Socorrendo suas irmãs enfermas, acabou por se contagiar, desencarnando em 17 de abril, aos 44 anos de idade.

*

Vejamos o que nos é possível aprender da vida de Sóror Juana Inés de la Cruz.

O que nos chama a atenção, primeiramente, é a gana por saber que Juana demonstrou desde pequena. Não apenas lia ela as obras teológicas, antes estudando com afinco todos os ramos do conhecimento humano, argumentando com habilidade em sua resposta a “Sóror Filotea” (Dom Manuel, bispo de Puebla) sobre a necessidade de tais estudos.
Não nos limitemos, pois, a estudar obras espíritas de cunho religioso ou moral. Se aquela página de A Gênese ou de uma das obras de André Luiz nos parece difícil de entender é porque nos falta estudo científico. Se não encontramos na Codificação resposta exata a um problema que nos assalta no cotidiano, quem sabe nos falta conhecimento sobre sociologia, história ou filosofia?

Temos toda a eternidade para aprender. No entanto, Sóror Juana, com seu exemplo, nos mostrou que devemos agir como se tudo devêssemos aprender em uma só vida. Na senda da evolução, mesmo sabendo que temos toda a eternidade para aprender, devemos nos portar em cada vida como se ela fosse nossa única oportunidade de atingir a perfeição.

Se nossa condição evolutiva ou as circunstâncias por que passa a nossa vida tal não nos permitem, façamos, pelo menos, o que está a nosso alcance. É certo que cada um de nós teve um preparo diferente nesta vida, uns tendo estudado mais e outros menos. É certo que a constituição física do encéfalo de cada um de nós permite maior ou menor expressão de nossa capacidade mental.

Se, no entanto, aprendemos a ler, existem várias boas obras de divulgação disponíveis à espera de nossa iniciativa. Mãos à obra, portanto. Estudemos o máximo que pudermos no tempo que nos for possível.

Se sequer a ler nos foi possível aprender nessa vida, se nossos olhos são doentes e a leitura nos é dolorosa ou impossível, ainda assim o estudo não nos é vedado, havendo uma infinidade de casas espíritas com horários públicos dedicados a estudos da Doutrina, pessoas à nossa volta a quem apraz uma conversa salutar e programas de rádio e boa qualidade, demandando tão somente o tempo de uma escolha criteriosa.

Podendo escolher entre um programa fútil na TV e um educativo, escolhamos o educativo. Podendo escolher entre uma boa leitura e uma conversa sobre trivialidades, escolhamos a boa leitura ou, por outra, dirijamos o colóquio para assuntos construtivos. Podendo escolher entre ficarmos em casa ruminando nossas deficiências e irmos para locais onde podemos aprender, tenhamos coragem e façamos a melhor escolha.

Como dissemos antes, se ainda não nos julgamos preparados para seguir o exemplo de Sóror Juana que, pelo menos, ensaiemos os primeiros passos nessa direção.

*

Sóror Juana ensinou-nos, também, a ter desapego aos bens terrenos e senso de prioridade. Ao decidir dedicar-se à caridade, vendeu todos os seus livros e pertences para aplicar o dinheiro no amparo aos necessitados. Possuía aqueles livros e instrumentos para se instruir e não como objeto de posse. Decidindo dedicar-se de corpo e alma à caridade, não titubeou em deles se desfazer.

O Espírito da Verdade, em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Cap. VI, Item 5, nos conclama “Espíritas! amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo.”

Se nos instruirmos é o segundo mandamento, nos amarmos é o primeiro. E se, para exercermos o amor cristão, é necessário que abramos mão do impulso urgente de instrução, que assim o façamos.

Mais uma vez, lembremos que muitas iniciativas modestas podem ser inspiradas pela atitude de Sóror Juana. Digamos que uma pessoa que se encontra em perturbação nos peça emprestado um livro de que gostamos e não nos o devolva. Aceitemos isso com naturalidade, pensando que nas mãos dela aquele livro talvez seja mais útil que nas nossas. Se nosso maior desejo é estudar e nos aparece uma oportunidade de ajudar a quem necessita, saibamos interromper nosso estudo para sermos úteis ao nosso irmão. Se estivermos com tudo marcado para ir naquela palestra de um orador famoso e nos aparecer uma pessoa carente de nosso carinho, querendo conversar conosco ou apenas alugar nossos ouvidos para desabafar, tenhamos paciência e saibamos, como Sóror Juana, que, quando a caridade cristã se faz necessária, o estudo pode e deve ficar para depois. É claro que devemos ter nossos sentidos e razão atentos para não confundirmos reais necessidades com fingimento ou exagero de emoções. No entanto se não tivermos com diretriz que a caridade se impõe à instrução, corremos o risco de falhar quando mais se espera de nós.

Lembremos sempre que caridade não é apenas o ato de dar esmolas ou de se alistar como voluntário para ajudar em um asilo, em um orfanato ou em outra instituição do gênero. Não, caridade é algo para ser praticado a toda hora. Ter paciência para escutar e aconselhar a quem sabe menos que nós, quer assim se reconheça quer o ignore e se julgue mais sábio. Caridade é saber ouvir, dando atenção a todos, não importa a idade, o sexo, a raça ou a religião. É ter olhos para todos os seres à nossa volta, não fazendo mal a nenhum e a todos dirigindo um olhar de amor, de aceitação, reconhecendo sermos todos, sem exceção, filhos do mesmo Pai.

Na sequência do estudo, na parte 3, veremos o tópico “Junto a Francisco de Assis”.

Até o próximo encontro!

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